segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Internacional


Entrevista

‘O Vaticano controla transversalmente os partidos italianos’

Autor de livro com informações sobre o VatiLeaks diz que é impossível chegar ao poder na Itália sem o apoio da Igreja

Gabriela Loureiro
Gianluigi Nuzzi, autor do livro Sua Santidade, que levou ao julgamento do mordomo do papa
Gianluigi Nuzzi, autor do livro Sua Santidade, que levou ao julgamento do mordomo do papa (Vittorio Zunino Celotto/Getty Images)
O jornalista Gianluigi Nuzzi ocupa-se da política interna do Vaticano desde 2008 e foi o responsável pelas denúncias que desencadearam o escândalo que ficou conhecido comoVatiLeaks, o vazamento de documentos secretos da Santa Sé. O resultado de suas investigações e entrevistas sobre o assunto foi o livro Sua Santitá (Sua Santidade, em português), que chegou às livrarias brasileiras no mês passado. No Vaticano, o caso culminou com a prisão do mordomo do papa, Paolo Gabriele, uma das fontes do jornalista.
Em entrevista ao site de VEJA, Nuzzi disse que é impensável chegar ao poder na Itália sem boas relações com a Igreja Católica. “O Vaticano controla transversalmente todos os partidos italianos. Nenhuma nomeação, por exemplo, na Rai, a TV do estado, é possível sem o consenso do Vaticano. Imagine que com a publicação do meu livro eu recebi pedidos de entrevista do mundo todo, mas nenhuma do canal nacional”, afirma.
Para o jornalista, a Itália e o Vaticano "tem uma história compartilhada no presente como tinha no passado". "O atual governo, do premiê (Mário) Monti, tem um pacto de aço com o Vaticano". Segundo o escritor, a influência hoje se dá de diferentes maneiras, desde o apoio tácito da Igreja em troca de um afrouxamento de impostos, até sugestões sobre como o governo deveria lidar com políticas sociais, como a eutanásia e o casamento.
O livro traz vários relatos do período da transição do governo de Silvio Berlusconi para o do tecnocrata Mario Monti. Há um capítulo dedicado somente a essa dita influência da Igreja Católica sobre o estado italiano, intitulado ‘A sagrada influência na Itália’. Nele, Nuzzi relata um encontro entre o presidente Giorgio Napolitano e o papa Bento XVI, e afirma que , no encontro, o pontífice teria dado diretrizes de como lidar com temas como eutanásia e política familiar. O papa também teria insinuado que Napolitano deveria conversar com dois funcionários do governo que se mostraram contrários a um programa político que evita qualquer equivalência entre a "família fundada sobre o matrimônio e outros tipos de uniões". “Recorde-se, porém, que a persuasão moral do Vaticano é sutil, ela fornece apenas algumas palavras. Talvez um leve aceno para deixar adivinhar relevância, atualidade e sobretudo sensibilidade especial à Igreja para um assunto particular”, diz um trecho do livro.
Impostos - Nuzzi fala ainda da questão da isenção do pagamento do imposto sobre a propriedade que a Itália havia acordado com a Igreja. O privilégio era aplicado a imóveis que não são usados para fins religiosos. Ou seja, hospitais, escolas e faculdades que não pagavam impostos se tivessem em seu interior um ‘espaço para oração’. Em 2010, quatro anos depois de receber a denúncia sobre o caso, a Comunidade Europeia abriu um processo por infração contra a Itália, acusada, nas palavras de Nuzzi, "de uma ajuda de estado à Igreja Católica não prevista nem aceitável". "É uma bomba-relógio para o estado italiano", diz o livro. "Se chegasse uma condenação de Bruxelas por violação de concorrência e ajudas ilegais de estado, os privilégios do passado precisariam ser sanados".
A quantia a receber em impostos atrasados poderia chegar a dois bilhões de euros por ano. Em uma visão laica, seria a ocasião para recuperar enormes quantias e trazer dinheiro para os cofres de um país que está no vermelho. Mas, considerando o peso do eleitorado católico, diz Nuzzi no livro, era necessário encontrar "uma via que evite danos à Itália e à Igreja”. A solução encontrada pelo Parlamento italiano foi mudar a legislação, criando um novo padrão que define uma categoria para edifícios religiosos. Assim, é possível declarar se um edifício religioso é comercial ou não.
Porém, a ideia veio tarde demais, no momento em que o então primeiro-ministro Silvio Berlusconi era obrigado a renunciar, em meio à turbulência financeira na Itália no final de 2011. Em seu lugar, entrou o tecnocrata Mario Monti, que anunciou o início da cobrança do imposto sobre as propriedades da Igreja. Com a entrada em vigor da medida, os locais de culto continuam livres do pagamento de impostos, mas a atividade comercial dos eclesiásticos é equiparada à de qualquer empreendimento laico. A decisão foi imediatamente aplaudida pela UE, que a descreveu como "um progresso sensível". Na avaliação de Nuzzi, a solução do governo Monti "garante o 'gerenciamento' da questão de um modo equilibrado e fecha um caso que poderia fazer descarrilar qualquer executivo. Pelo menos na Itália".
No livro, o jornalista afirma que o Vaticano contribuiu na formação do governo técnico de Monti, fazendo chegar ao primeiro-ministro indicações e recomendações. E a cúpula da Igreja trabalhou para garantir uma transição favorável do poder após a queda de Berlusconi. Monti "não tem nenhuma relação especial no Vaticano", mas sempre pode contar com a ajuda do subsecretário Federico Toniato para encontrar o cardeal Tarcisio Bertone, número 2 do Vaticano, e falar com ele "sem filtros ou intermediários".
Julgamento – As revelações citadas no livro provocaram um turbilhão na Itália. Uma investigação mostrou que o próprio mordomo do papa era um dos colaboradores de Nuzzi, e ele acabou condenado a um ano e meio de prisão pelo furto de documentos sigilosos que pertenciam ao pontífice. O escritor vê problemas no julgamento. “O processo não tinha como objetivo determinar a verdade, somente chegar a uma condenação para encerrar o caso”.

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