Entrevista
‘O Vaticano controla transversalmente os partidos italianos’
Autor de livro com informações sobre o VatiLeaks diz que é impossível chegar ao poder na Itália sem o apoio da Igreja
Gabriela Loureiro
Gianluigi Nuzzi, autor do livro Sua Santidade, que levou ao julgamento do mordomo do papa (Vittorio Zunino Celotto/Getty Images)
O jornalista Gianluigi Nuzzi ocupa-se da política interna do Vaticano desde 2008 e foi o responsável pelas denúncias que desencadearam o escândalo que ficou conhecido comoVatiLeaks, o vazamento de documentos secretos da Santa Sé. O resultado de suas investigações e entrevistas sobre o assunto foi o livro Sua Santitá (Sua Santidade, em português), que chegou às livrarias brasileiras no mês passado. No Vaticano, o caso culminou com a prisão do mordomo do papa, Paolo Gabriele, uma das fontes do jornalista.
Em entrevista ao site de VEJA, Nuzzi disse que é impensável chegar ao poder na Itália sem boas relações com a Igreja Católica. “O Vaticano controla transversalmente todos os partidos italianos. Nenhuma nomeação, por exemplo, na Rai, a TV do estado, é possível sem o consenso do Vaticano. Imagine que com a publicação do meu livro eu recebi pedidos de entrevista do mundo todo, mas nenhuma do canal nacional”, afirma.
Para o jornalista, a Itália e o Vaticano "tem uma história compartilhada no presente como tinha no passado". "O atual governo, do premiê (Mário) Monti, tem um pacto de aço com o Vaticano". Segundo o escritor, a influência hoje se dá de diferentes maneiras, desde o apoio tácito da Igreja em troca de um afrouxamento de impostos, até sugestões sobre como o governo deveria lidar com políticas sociais, como a eutanásia e o casamento.
O livro traz vários relatos do período da transição do governo de Silvio Berlusconi para o do tecnocrata Mario Monti. Há um capítulo dedicado somente a essa dita influência da Igreja Católica sobre o estado italiano, intitulado ‘A sagrada influência na Itália’. Nele, Nuzzi relata um encontro entre o presidente Giorgio Napolitano e o papa Bento XVI, e afirma que , no encontro, o pontífice teria dado diretrizes de como lidar com temas como eutanásia e política familiar. O papa também teria insinuado que Napolitano deveria conversar com dois funcionários do governo que se mostraram contrários a um programa político que evita qualquer equivalência entre a "família fundada sobre o matrimônio e outros tipos de uniões". “Recorde-se, porém, que a persuasão moral do Vaticano é sutil, ela fornece apenas algumas palavras. Talvez um leve aceno para deixar adivinhar relevância, atualidade e sobretudo sensibilidade especial à Igreja para um assunto particular”, diz um trecho do livro.
Impostos - Nuzzi fala ainda da questão da isenção do pagamento do imposto sobre a propriedade que a Itália havia acordado com a Igreja. O privilégio era aplicado a imóveis que não são usados para fins religiosos. Ou seja, hospitais, escolas e faculdades que não pagavam impostos se tivessem em seu interior um ‘espaço para oração’. Em 2010, quatro anos depois de receber a denúncia sobre o caso, a Comunidade Europeia abriu um processo por infração contra a Itália, acusada, nas palavras de Nuzzi, "de uma ajuda de estado à Igreja Católica não prevista nem aceitável". "É uma bomba-relógio para o estado italiano", diz o livro. "Se chegasse uma condenação de Bruxelas por violação de concorrência e ajudas ilegais de estado, os privilégios do passado precisariam ser sanados".
A quantia a receber em impostos atrasados poderia chegar a dois bilhões de euros por ano. Em uma visão laica, seria a ocasião para recuperar enormes quantias e trazer dinheiro para os cofres de um país que está no vermelho. Mas, considerando o peso do eleitorado católico, diz Nuzzi no livro, era necessário encontrar "uma via que evite danos à Itália e à Igreja”. A solução encontrada pelo Parlamento italiano foi mudar a legislação, criando um novo padrão que define uma categoria para edifícios religiosos. Assim, é possível declarar se um edifício religioso é comercial ou não.
Porém, a ideia veio tarde demais, no momento em que o então primeiro-ministro Silvio Berlusconi era obrigado a renunciar, em meio à turbulência financeira na Itália no final de 2011. Em seu lugar, entrou o tecnocrata Mario Monti, que anunciou o início da cobrança do imposto sobre as propriedades da Igreja. Com a entrada em vigor da medida, os locais de culto continuam livres do pagamento de impostos, mas a atividade comercial dos eclesiásticos é equiparada à de qualquer empreendimento laico. A decisão foi imediatamente aplaudida pela UE, que a descreveu como "um progresso sensível". Na avaliação de Nuzzi, a solução do governo Monti "garante o 'gerenciamento' da questão de um modo equilibrado e fecha um caso que poderia fazer descarrilar qualquer executivo. Pelo menos na Itália".
No livro, o jornalista afirma que o Vaticano contribuiu na formação do governo técnico de Monti, fazendo chegar ao primeiro-ministro indicações e recomendações. E a cúpula da Igreja trabalhou para garantir uma transição favorável do poder após a queda de Berlusconi. Monti "não tem nenhuma relação especial no Vaticano", mas sempre pode contar com a ajuda do subsecretário Federico Toniato para encontrar o cardeal Tarcisio Bertone, número 2 do Vaticano, e falar com ele "sem filtros ou intermediários".
Julgamento – As revelações citadas no livro provocaram um turbilhão na Itália. Uma investigação mostrou que o próprio mordomo do papa era um dos colaboradores de Nuzzi, e ele acabou condenado a um ano e meio de prisão pelo furto de documentos sigilosos que pertenciam ao pontífice. O escritor vê problemas no julgamento. “O processo não tinha como objetivo determinar a verdade, somente chegar a uma condenação para encerrar o caso”.
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