sábado, 27 de abril de 2013

Contrários à ‘lei da mordaça’ dizem que PEC é retrocesso e estimula impunidade



Para procuradores, promotores e juízes, concentração de inquéritos nasmãos das polícias coloca em risco as investigações

Natália Peixoto - iG São Paulo |
O poder de investigação do Ministério Público está no centro das discussões do Congresso desde que o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) 37 entrou na pauta da Câmara. O texto, que insere na Constituição a exclusividade das polícias federal e civil para comandar inquéritos e tira essa prerrogativa do Ministério Público, deve ser votado até junho, segundo o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
Chamada de “lei da modaça” por promotores e procuradores, a PEC ganhou apoio de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Advocacia-geral da União (AGU) e da defensoria pública. Em São Paulo, a OAB criou um conselho especial de discussão e defesa da proposta. O advogado Paulo Sérgio Leite Fernandes participa do grupo da entidade e diz que o texto deve ser aprovado para pôr fim a “abusos” do órgão. “Uma nação não pode ter um poder acima de qualquer censura, e o Ministério Público é o único órgão que não tem censor ”, argumenta.
O diretor da Associação Nacional dos Delegados (Adepol), Magnus Barreto, também vê abusos na atuação do órgão em investigações, como grampos sem autorização judicial, divulgação de investigações que ainda não foram concluídas, uso da inteligência da Polícia Militar (PM) para colher provas para o inquérito, entre outras. A Adepol também é uma das principais entidades de classe a favor do projeto.
“Quem é que a cada ano é denunciado a relatórios da ONU por violação direitos humanos? Não é o Ministério Público”, questiona Alexandre Camanho, presidente da ANPR
Para Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, os exemplos das supostas ilegalidades e abusos nas investigações do órgão não têm validade. “É um argumento boçal. O Ministério Público não tem nem aparelhagem para fazer grampo”, diz. E provoca: “quem é que a cada ano é denunciado a relatórios da ONU por violação direitos humanos? Não é o Ministério Público”.
Barreto condena também a “pirotecnia” com a qual o órgão conduz suas investigações. “As pessoas nas operações do MP aparecem na TV já como se fossem bandidos. As pessoas mesmo absolvidas são condenadas pela sociedade quando seu rosto é mostrado pela imprensa”, defende. Fernandes diz que esses abusos acontecem pela falta de um controle externo.
Camanho discorda que o órgão não tenha controle externo, e cita o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), além do acompanhamento de juízes em suas investigações, mas vê fundamentos em partes do argumento de que falta regulamentação para investigações.
As regulamentações do CNMP têm força de lei, mas elas não foram elaboradas pelo Congresso, o que causa ruído quando o assunto são as regras para o Ministério Público.
“Nós não temos lei ordinária. Mas nós não nos importamos que saiam leis do Congresso nos balizando, o que nós estamos propondo é que essa regulamentação seja comum para todas as intuições que investiguem”, diz. Camanho classifica o inquérito policial como um “fóssil” que precisa ser atualizado para sobreviver à realidade. “O próprio inquérito não tem regulamentação”, afirma.
Contaminação
Outro argumento presente nas discussões pró-PEC 37 é de que o Ministério Público, ao participar da investigação, “contamina” o processo por também ter o dever de acusar.
Camanho diz que a contaminação é algo relativo, e que se o princípio da imparcialidade fosse levado literalmente, as provas feitas pela polícia também não poderiam ser consideradas, “A polícia não tem independência funcional para tocar nenhuma investigação, eles estão submetidos ao Poder Executivo”, diz.
Para o presidente da Associação de Magistrados do Brasil, Nelson Calandra, isso não é problema. “O Ministério Público é parte e, como parte, ele tem o direito de levar toda a prova que encontrar. A defesa não pede licença a ninguém para trazer prova para o processo. Imagina se o promotor vai ficar de braços cruzados?”
“Essa PEC joga uma categoria contra outra. É um atrito desnecessário”, diz Nelson Calandra, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros
Retrocesso
Calandra defende que retirar o pode de investigar do MP é um retrocesso para a democracia brasileira. “Querem castrar o Ministério Público, removendo poderes que na verdade não são poderes, é uma obrigação”, defende. “Se ele não pode se mover, investigar nada, nós vamos estar estimulando a impunidade.”
O magistrado aponta que restringir o poder de investigação apenas às polícias causa mal-estar e problemas para investigar denúncias de irregularidades dentro do Judiciário e da própria polícia. “Nós juízes perderíamos um foro de ser investigado pelo Tribunal de Justiça e da Procuradoria, por exemplo.”
Além da impunidade, Calandra diz que o principal problema do texto é criar uma rivalidade que não é “saudável” para a sociedade. Pela imprensa, delegados dizem que o Ministério Público quer acabar com a polícia, enquanto procuradores afirmam que a concentração de poder nas polícias será usada como barganha para pedir reajustes salariais.
“Essa PEC joga uma categoria contra outra. É um atrito desnecessário. Longe de resolver qualquer problema, vai criar mais problemas e libertar pessoas que são culpadas e já foram julgadas”, diz Calandra.

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